Os educadores encaram grandes desafios em relação ao comportamento das crianças e jovens que trazem para dentro das escolas todas as suas necessidades não atendidas pela família e pela sociedade. Ao mesmo tempo, que existe a tentativa de proteger os alunos de serem vítimas de violência dentro das escolas, o Brasil lidera o ranking de agressões contra docentes.
Quando os alunos são autores de ações violentas, injustas ou transgressoras, parece ser correto e coerente o uso das punições, por mais sutis que sejam. Entretanto, há séculos, essa é uma forma socialmente adquirida de se pensar.
Numa cultura de violência, as pessoas privilegiam a violência como meio normal de defender sua comunidade das ameaças que pesam sobre ela. As pessoas recorrem a construções racionais que as permitam justificar e aceitar a violência. A ideologia da violência visa ocultar aquilo que a ela mesma tem de irracional e inaceitável, valorizando-a positivamente.
Quando escutamos um pai, por exemplo, dizer ao filho quando aplica uma punição a ele que “dói mais em mim do que em você”, que faz isso “por amor” ou se justifica dizendo “eu apanhei e não morri”, esse pai se apresenta como um produto bem sucedido da cultura de violência na qual estamos todos inseridos.
“Não se pode construir a paz sobre os alicerces do medo.”
Gandhi
É exatamente quando acontece um conflito que um ciclo de violência pode ser interrompido, no momento em que respondemos à violência sem o uso dela mesma. Mas para que isso seja possível, é necessária a normalização de um novo paradigma que torne possível a criação de estruturas que sustentem práticas adequadas para resolução de conflitos.
A punição ainda continua sendo a principal característica da disciplina escolar porque ela é rápida, fácil de administrar e parece atender ao critério segundo o qual “ao menos fizemos alguma coisa a respeito”.
Todos nós concordamos que uma boa educação visa ajudar as crianças e jovens a assumirem a responsabilidade pelo seu próprio comportamento. Entretanto, a punição dada por um adulto trata-se de uma tentativa externa à eles para regular o seu comportamento. O processo punitivo dificilmente estimula o aluno a compreender as consequências de seus atos e a reparar os possíveis danos.
Quando sua vida e seu comportamento são constantemente regulados pelos outros, as crianças e jovens perdem oportunidades para desenvolver a autodisciplina, já que os outros o fazem em seu lugar.
“De onde tiramos a absurda ideia de que, para levar uma criança a agir melhor, precisamos antes fazê-la se sentir pior?”
Jane Nelsen
Quando um adulto com sua autoridade é o responsável por determinar ao aluno o que ele merece, esse adulto assume o lugar de todas as pessoas envolvidas no conflito e acaba por enfraquecer o sentido comunitário. As comunidades precisam de oportunidade e encorajamento para assumirem suas obrigações em favor do bem-estar de seus membros e trabalharem colaborativamente para resolver os problemas da comunidade dentro dela mesma.
Escola sem punição
Os adultos de uma comunidade escolar podem se capacitar para a facilitação de círculos de construção de paz e para a mediação de conflitos. Práticas constantes para a nutrição de bons relacionamentos que envolvam toda a comunidade escolar poderiam passar a fazer parte do dia a dia da escola. Todas essas possibilidades têm raízes na justiça restaurativa e nas práticas restaurativas na educação que vem sendo implantadas de forma sistemática em várias escolas e incluídas em políticas públicas.
Acesse aqui a Cartilha Justiça Restaurativa no ambiente escolar
Apesar de as rodas de conversa serem o método mais antigo para lidar com os conflitos e fortalecer comunidades, tudo isso parece ser muito novo para nós que carregamos crenças originárias de paradigmas de dominação. Que tenhamos então a coragem de nos arriscar nessa jornada de resgate à humanidade inerente e presente em todos nós.
Escrito por:
Juliana Matsuoka – professora da disciplina “Comunicação Não Violenta e Educação para a Paz” na pós-graduação em Inteligência Socioemocional na Educação oferecida pelo Instituto Signativo.