O mundo tem passado por mudanças aceleradas que ensejam uma guinada nos requisitos de competências necessárias para encarar os desafios postos à humanidade. Sobretudo em períodos socialmente conturbados, marcados por adversidades e incertezas, experimentamos maior ativação emocional. Sentimentos como tensão, ansiedade, medo e desesperança podem ser recorrentes, impactando nosso bem-estar físico e psicológico e dificultando nossa capacidade de resposta. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) vem insistindo no entendimento de que é preciso desenvolver um conjunto de competências globais para o gerenciamento de crises e de demandas mais complexas, no qual se incluem as competências socioemocionais.
No entanto, embora se possa pensar que as Competências socioemocionais estejam baseadas em princípios gerais, o desenvolvimento humano é fortemente influenciado pelo contexto social, econômico, político, tecnológico, cultural e científico (OSHER et al., 2020). Um macrocontexto desfavorável combinado a uma conjuntura de grave instabilidade contribui (e muito!) para acirrar nossa incapacidade de responder adequadamente às complexas demandas que se apresentam, evidenciando a necessidade inexorável de fortalecer as Competências socioemocionais.
Crises, sejam elas sanitárias, sociais ou econômicas, globais ou locais, acabam por expor nossa fragilidade para enfrentar cenários caóticos e complexos e gerenciar os efeitos da tríade pressão-estresse-ansiedade.
Diante desse preocupante panorama, políticas e programas para o desenvolvimento de Competências socioemocionais mostram-se contributivos para o enfrentamento de tensões sociais decorrentes de crises que se tornam mais presentes em um mundo cada vez mais instável. O difícil momento iniciado pela pandemia da covid-19 nos impôs um importante alerta para a necessidade de estarmos preparados para adversidades ainda maiores que, certamente, nos demandarão competências sociais e emocionais para gerar transformações positivas na sociedade.
Entendemos que as Competências socioemocionais não podem ser vistas como um padrão ideal a ser alcançado. Partimos do princípio de que a efetividade das competências se manifesta na capacidade de ser flexível no uso de estratégias para lidar com as demandas emocionais pessoais e alheias. Do nosso ponto de vista, é a análise da situação específica e dos estados afetivos dela decorrentes que orienta a estratégia a ser adotada. Por exemplo, em alguns contextos de tensão que geram estados afetivos negativos (medo, raiva, nojo etc.) a assertividade — isto é, expressar oralmente e de modo firme uma discordância sem ser agressivo — pode acirrar conflitos, especialmente se o oponente se encontrar em um estado alterado de humor. Em outros casos, ao contrário, o confronto inesperado pode levar o oponente a se dar conta de que o interlocutor não é tão passivo na interação, vindo a respeitá-lo como um ator central no processo e possibilitando uma reflexão sobre pontos de vista diferentes. Assim, embora os aprendizados obtidos em contextos específicos possam ser generalizados, tendo efeitos positivos em outras esferas da vida, no final, o julgamento de um comportamento competente em termos de sociabilidade e gerenciamento emocional depende da situação na qual ele é expresso (STORMSHAK; WELSH, 2005). Um indivíduo pode demonstrar um alto nível de competência em um dado contexto e um baixo nível em outro (SMOLKA et al., 2015).
Adotamos o princípio de que as Competências socioemocionais podem ser aprendidas e aprimoradas ao longo da vida, quer pelo desejo pessoal e pela busca ativa de autoaprimoramento e autorrealização, quer mediante intervenções especificamente planejadas para esse fim.
Sonia Maria Guedes Gondim, Laila Leite Carneiro, Daniela Campos Bahia Moscon e Ana Célia Araújo Simões
Referências
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA – UNESCO. Cultivar o bem-estar social e emocional de crianças e jovens durante crises. Nota Informativa nº 1.2, 2020. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373271_por?posInSet=1&queryId=c0fd38ec-8fa9-458d-b611-fdcedcea4dd9. Acesso em: 9 abr. 2021.
OSHER, David et al. Drivers of human development: how relationships and context shape learning and development. Applied Developmental Science, v. 24, n. 1, p. 6-36, 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/10888691.2017.1398650. Acesso em: 9 abr. 2021.
SMOLKA, Ana Luiza Bustamante et al. O problema da avaliação das habilidades socioemocionais como política pública: explicitando controvérsias e argumentos. Educação & Sociedade, v. 36, n. 130, p. 219-242, 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302015150030. Acesso em: 9 abr. 2021.
STORMSHAK, Elizabeth A.; WELSH, Janet A. Enhancing social competence. In: TETI, Douglas M. (ed.). Handbook of research methods in developmental science. Oxford: Blackwell, 2005. p. 271-294. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1002/9780470756676.ch14. Acesso em: 9 abr. 2021.